ANOTAÇÕES JURÍDICAS SOBRE O CAMPEONATO BRASILEIRO DE 1987

PABLO DUARTE CARDOSO[1]

 

Este artigo busca um equilíbrio difícil, na medida em que se volta a dois públicos fundamentalmente diversos. Está endereçado, primordialmente, aos operadores do direito que tenham interesse pelas coisas do esporte. Mas volta-se também aos amantes do futebol que tenham curiosidade em conhecer, em maior detalhe, os contornos jurídicos da maior controvérsia já registrada em 123 anos de história do jogo no Brasil. Trata-se do Campeonato Brasileiro de 1987, ainda hoje disputado, fora das quatro linhas, entre o Clube de Regatas do Flamengo e o Sport Club do Recife.

De um ponto de vista judicial, a questão parece encerrada desde que, a 5 de dezembro de 2017, a primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento a embargos de declaração interpostos pelo Flamengo, e com isso preservou a decisão — equivocada, adiante-se desde já — que a 2 de maio de 1994 reconheceu no Sport o campeão brasileiro de 1987. Fora, no entanto, dos tribunais, a controvérsia persistirá pelos séculos dos séculos, porque a rigor o comando principal da sentença de 1994 — reconhecer o título do Sport — volta-se apenas à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), e nas rodas de amigos e mesas de bar sentença nenhuma faz coisa julgada.

O leitor perdoará o prosaísmo, mas creio que ele encerra verdade idêntica àquela expressada, com muito maior rigor científico, por Enrico Tullio Liebman, que em obra clássica lecionou que «a eficácia natural da sentença vale erga omnes, enquanto a autoridade da coisa julgada somente existe entre as partes.»[2] Àquele público não iniciado, e com a vênia do leitor versado nas lides do direito, explicarei que a distinção é simples: a ninguém é permitido, por quaisquer ações ou omissões, impedir, prejudicar ou obstaculizar a aplicação de uma sentença judicial; no entanto, os comandos que ela encerra, em princípio, somente obrigam as partes do processo.

Esta é uma nuance que, naturalmente, escapa ao público leigo, e isso explica a frequência com que, nas mesas redondas da vida, jornalistas simpáticos ao Sport ou antipáticos ao Flamengo pretendam encerrar a discussão com o argumento pretensamente definitivo: a Justiça decidiu.[3] Esquecem-se de considerar que, cá fora, num ambiente democrático, é prerrogativa de qualquer um — da Rede Globo ao pé-rapado — discordar de uma sentença judicial e criticá-la por suas carências ou incongruências, sem com isso incidir em comportamento de «marginal» (termo que, há 23 anos, vem sendo usado por um ex-presidente do Sport para tentar proscrever o debate livre de ideias). Não fosse assim, como entender que toda história séria da Guerra Civil americana comece, justamente, espinafrando a decisão da Suprema Corte no caso Dred Scott v. Sandford (1857)?

A rigor, nem seriam necessárias essas considerações jurídicas para sustentar uma tese que desenvolvo em livro que recentemente publiquei sobre o tema.[4] É que não há, na história do futebol brasileiro, um campeão nacional que não tenha inscrito seu nome na memória afetiva do povo. A regra vale para o Internacional de don Elías Figueroa e seu gol iluminado (1975); para o São Paulo de Waldir Peres, resistindo ao rolo compressor atleticano no Mineirão (1977); para o Flamengo de João Danado Nunes, que no apagar das luzes fez o gol de todos os tempos do velho Maracanã (1980); para o imbatível Vasco da Gama de Edmundo (1997); e para o mais brilhante dos escretes corintianos, o de Dida, Gamarra, Vampeta e Marcelinho (1998). A despeito do que diga a sentença, permanece o fato de que o Flamengo de Zico, Bebeto e Renato passa nesse teste; o Sport de Betão, Marco Antônio e Robertinho, não.

Mas este é um desvio de rota, para mim, irresistível, e ele terá, quando muito, o mérito de explicar por que já se gastaram tanta tinta e saliva com este assunto, a despeito do que diga a sentença. Com algo mais de propriedade pronunciou-se recentemente o ministro Luís Roberto Barroso, em voto como de hábito brilhante, ao explicar a inutilidade de se pretender dirimir disputas desportivas na Justiça comum. Segundo o ministro, é preciso «guardar deferência às decisões das entidades desportivas sobre a matéria, em respeito à verdade desportiva». Barroso prossegue citando um de nossos maiores especialistas em direito desportivo, o dr. Álvaro de Mello Filho, que explica ser esta, justamente, a inteligência dos dispositivos da Constituição da República que regulamentam a matéria:

 

[C]om os §§ 1º e 2º do art. 217 pretende-se atenuar as constantes e vexatórias situações onde decisões de campeonatos e partidas foram transferidas dos campos e das quadras de jogo para as sentenças e acórdãos de juízes e tribunais da Justiça comum, especialmente porque […] há um evidente despreparo do Judiciário para o trato das questões jurídico-desportivas, que exigem dos julgadores o conhecimento e a vivência de normas, práticas e técnicas desportivas a que, normalmente, não estão afeitos e familiarizados, criando, desse modo, um perigo extraordinário em termos de denegação de justiça, pois há peculiaridades da codificação desportiva compreendidas e explicadas somente por quem milita nos desportos. Vale dizer, não será possível definir direito e aplicar justiça em função de matéria desportiva, fora do mundo do desporto, sem o sentimento da razão desportiva.[5]

 

E foi isto, precisamente, o que se deu no caso envolvendo Flamengo e Sport. Para quem se dispôs a ler mais de três mil páginas do processo — e seremos poucos —, fica perfeitamente claro que o magistrado cuja sentença afinal transitou em julgado entendia muito pouco de futebol (em meu livro, demonstro como ele ignora a mecânica de uma simples disputa de pênaltis).[6] Mas há pior: em sua sentença, o dr. Élio Wanderley de Siqueira Filho ignorou um dispositivo legal vigente, que teria dado ao caso outro desfecho, e esposou um entendimento questionabilíssimo sobre «situações jurídicas consolidadas», sem grande amparo na doutrina ou na jurisprudência. Caso, a esta altura dos acontecimentos, o Flamengo não se tivesse portado com imensa negligência na defesa de seus direitos, é razoável supor que essa sentença teria sido reformada, mediante um recurso que o clube nunca interpôs. E com isso cá estamos, três décadas depois dos fatos, ainda a debater o maior equívoco da história do desporto brasileiro.

 

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

A afirmação soará talvez exagerada aos ouvidos de quem não viveu aqueles tempos ou, vivendo-os, não prestou a atenção devida aos acontecimentos do nosso passatempo nacional. Mas a tese central de meu livro é a de que os processos que vão desaguar na fundação do Clube dos Treze e na montagem da Copa União estão intimamente relacionados com o processo de abertura política no Brasil. Sem estabelecer esse vínculo, é impossível compreender em sua justeza o que se deu em 1987, e qualquer análise sobre a controvérsia estará seriamente prejudicada.

Neste artigo, partirei do pressuposto de que o leitor conhece razoavelmente os acontecimentos desportivos que levaram à ruptura dos grandes clubes com a CBF e à sua recusa unânime em observar o regulamento por ela imposto para o Campeonato Brasileiro de 1987 (notadamente no que se referia à disputa de um quadrangular final entre campeão e vice da Copa União e campeão e vice do Módulo Amarelo).[7] Concentremo-nos, aqui, nos antecedentes históricos mediatos, que embasam a tese que apresentei acima e explicam a rationale dos dispositivos legais ignorados ou mal compreendidos pelo juiz da causa.

O leitor interessado em futebol não se surpreenderá com a afirmação de que é antiga a instrumentalização política do jogo, em benefício dos interesses dos governos de turno. Após três ou quatro décadas de um desenvolvimento relativamente anárquico, marcado por seguidas cisões entre os clubes protagonistas, o Estado Novo varguista afinal tomou para si a iniciativa de pôr ordem no que já era, indiscutivelmente, o grande passatempo nacional. E isto ele o fez, em primeiro lugar, ao colocar um homem do regime à testa da antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD), na figura do sr. Luiz Aranha, irmão do chanceler Osvaldo Aranha.

O gesto será posteriormente repetido pelo regime militar de 1964-1984, que se aproveitou da renúncia de João Havelange (1974), já eleito presidente da FIFA, para ali instalar um ex-presidente da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) no antigo estado do Rio, o almirante Heleno Nunes. É justamente na gestão de Nunes (1974-1979) que veremos multiplicar-se quase ao infinito o número de participantes no Campeonato Brasileiro: dos quinze participantes originários do torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1967, chegaríamos a inacreditáveis 94 em 1979. A sabedoria popular, que bem percebia o que estava ocorrendo, cunhou um bordão que, mais que explicar, definiu o processo: «Onde a ARENA vai mal, mais um time no Nacional. Onde a ARENA vai bem, mais um time também.»[8]

Para além da ação política, no entanto, os governos de distintas épocas atuaram para solidificar seu controle sobre o desporto também no terreno jurídico — e isso se deu, muito particularmente, no caso dos dois regimes de exceção de nossa história recente. Em 1941, o Estado Novo varguista outorgou o Decreto-Lei nº 3.199, claramente inspirado na Carta dello Sport fascista (1928). O espírito do decreto é claramente corporativista, no sentido próprio do termo — ou seja, inspirava-se na ideologia, então em voga no Brasil (e na Itália fascista, e na Alemanha nacional-socialista, no Portugal de Salazar e na Espanha de Franco), que pretendia organizar toda a sociedade (inclusive as organizações desportivas) em canais «orgânicos» próprios de cada classe social ou grupo de interesse, sempre sob a ação disciplinadora do Estado onipresente e onipotente.

O cerne do diploma é a criação de um Conselho Nacional de Desportos (CND), integrante da estrutura do Ministério da Educação e Saúde, encarregado de «orientar, fiscalizar e incentivar a prática dos desportos em todo o país» (art. 1º). Abaixo do CND, o decreto reconhecia (art. 9º) a existência de confederações (de âmbito nacional), federações (de âmbito estadual), ligas (de âmbito municipal) e «associações desportivas» (i.e., os próprios clubes destinados à prática do desporto). E, embora se tratasse, todas, de entidades de direito privado, o decreto punha as confederações, «entidades máximas de direção dos desportos nacionais» [9], sob a supervisão direta do CND (art. 12), que controlaria suas atividades por meio das atribuições quase legislativas de que se via investido e, mais concretamente, por meio de subvenções públicas a suas atividades (art. 3º, d).

Mais adiante, ao tratar das federações e associações desportivas, o decreto evidencia o ímpeto disciplinador do Governo, que não deixava de ser compreensível, naquela conjuntura — não iam tão longe, afinal de contas, as cisões registradas no Rio e em São Paulo em torno da questão do profissionalismo, superadas alguns anos antes graças à mediação do próprio Governo.[10] Pois foi sobretudo para impedir novos episódios como aqueles, que inevitavelmente enfraqueceriam o controle do Estado sobre os processos aqui descritos, que o decreto estabeleceu que as associações desportivas das capitais estaduais e do Distrito Federal deveriam filiar-se diretamente à federação competente, ao passo que as associações interioranas poderiam constituir ligas municipais que, estas sim, deveriam filiar-se às federações (art. 15). Havia um detalhe adicional, que desnuda o afã controlador do Estado varguista: nos termos do decreto, não se poderiam constituir federações rivais ou alternativas àquelas já existentes (art. 20), uma lógica similar à que ainda hoje preside o princípio da unicidade sindical. O importante, para os nossos propósitos, é que este marco jurídico impediu, a partir de 1941, a livre organização dos clubes de futebol em ligas independentes, inteiramente dissociadas do poder público, como a que já existia na Inglaterra desde 1888 e como as que passaram existir após a redemocratização da Itália (1946) e da Espanha (1984).

Estavam, portanto, os clubes avassalados às federações, e esse fenômeno só fez intensificar-se no regime militar. Quase simultaneamente à elevação do almirante Heleno Nunes à testa da CBD, o Governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) tratou de fortalecer ainda mais o controle que as federações exerciam sobre os clubes. Há diversas explicações possíveis para o episódio, e aqui me limito a buscar uma síntese entre elas. Em 1970, houve um breve ensaio de libertação dos clubes, que sob inspiração do dr. José Carlos Vilella, histórico dirigente do Fluminense, cogitaram da criação de uma liga nacional independente, com o consequente enxugamento ou a possível extinção dos campeonatos estaduais, e com a transformação das federações em entidades meramente cartoriais. Consta que o processo, num primeiro momento, contou com a simpatia do presidente Emílio Médici, mas os interesses estabelecidos, tendo à frente João Havelange e seu diretor de futebol, o sr. Antônio do Passo, prontamente se mobilizaram para restabelecer a hierarquia.[11] Vencida aquela batalha, a CBD e as federações trataram de aferroar com ainda mais força os grilhões que prendiam os clubes.[12] Paralelamente, ao Governo Federal não terá passado despercebido o valor utilitário que havia em usar o futebol para premiar as clientelas políticas que lhe eram funcionais em cada estado. Não é outro, afinal de contas, o sentido do «onde a ARENA vai mal», sobretudo numa época em que a participação no Campeonato Brasileiro estava atrelada ao desempenho dos clubes nos torneios estaduais, geridos pelas mesmas federações que eram as beneficiárias maiores de todo o sistema.

O mecanismo criado pelo regime militar para premiar os seus correligionários nas federações estaduais foi o chamado voto unitário. Foi instituído pela Lei n° 6.251, de 8 de outubro de 1975, que «institui normas gerais sobre desportos», e esteve vigente até que a chamada Lei Zico (a de nº 8.672, de 6 de julho de 1993) estabelecesse um novo marco normativo, mais acorde com o estado democrático e com a Constituição de 1988. E o que era o «voto unitário»? Era a previsão constante do art. 18 de que, «sob pena de nulidade, os estatutos das confederações, das federações e das ligas desportivas» atribuiriam pesos idênticos aos votos de cada um de seus filiados «em quaisquer reuniões dos seus poderes».

Não se tratava, aqui, apenas de tratar identicamente o Flamengo e o Madureira, ou o Corinthians e o Juventus (o da Mooca). O mais grave era dar o mesmo peso, na hora de decidir, ao voto do Flamengo e ao da liga de Cantagalo, ao do Corinthians e ao da liga de Votuporanga. Com isso, o diploma abria as portas para a eternização no poder de dirigentes que pouca ou nenhuma afinidade tinham com os grandes clubes, destinatários de toda a paixão. Afinal de contas, a experiência demonstrou que era facílimo criar ligas-fantasma por esses grotões do Brasil afora (ou adentro), na medida em que ninguém fiscalizava efetivamente se de fato representavam associações desportivas dignas desse nome. E eram os presidentes de federações eleitos por essas ligas quem, em última instância, comandava os destinos de todo o futebol, na medida em que eram eles, e somente eles, quem escolhia o presidente da CBD (e, a partir de 1979, da CBF).[13] De 1975 em diante, gerir o futebol tornou-se apanágio dos Nabi Abi Chedid, José Maria Marin e Eduardo Viana (o popular Caixa d’Água) que, em cada estado, iam assenhoreando-se das federações.

Restabelecida a democracia em 1985, era natural que os grandes clubes de futebol se insurgissem contra esse quadro normativo, seguindo assim os passos que deram os grandes clubes italianos no pós-guerra e os espanhóis após o fim do franquismo. Antes de chegarmos a esse momento, no entanto, é necessário registrar os pequenos progressos havidos na gestão do sucessor de Heleno Nunes, o industrial carioca Giulite Coutinho, à frente da recém-fundada CBF (1979-1986). Não será o caso, aqui, de entrar em detalhes excessivos sobre a figura de Coutinho e o que ele representou.[14] Para os propósitos deste artigo, bastará assinalar que a gestão de Coutinho foi marcada por dois avanços substanciais, em relação à de Nunes.

Em primeiro lugar, após cinco anos de experimentações, de mudanças de fórmula e do inchaço do número de participantes, o formato do Campeonato Brasileiro estabilizou-se a partir de 1980. Com pequenas alterações aqui e ali, ele passou a ser disputado por um número mais ou menos fixo de clubes — em torno de 40 —, embora com importantes concessões aos interesses das federações estaduais.[15] Em segundo lugar, em sintonia com o Governo Federal e o CND, então presidido pelo coronel Cesar Montagna, Coutinho promoveu uma notável reordenação do calendário futebolístico nacional.

No leitor de menos idade, a menção ao «calendário» não evocará a mesma memória de tempos caóticos que desperta em nós outros, já mais veteranos. O assunto, afinal, foi bem encaminhado a partir de 2003, com uma nova estabilização (agora aparentemente definitiva) da fórmula do Campeonato Brasileiro e com a relegação dos estaduais a um espaço de menor importância. Mas nada disso era óbvio quando Coutinho assumiu a CBF, em 1979. Para se ter uma ideia, o próprio período de disputa do Campeonato Brasileiro era sujeito e mudanças frequentes (primeiro semestre em 1967, 1974 e 1978, segundo semestre nos demais anos).[16] Pior: o Campeonato volta e meia atravessava o ano civil (1973, 1977) e chegou a disputar-se simultaneamente à Copa do Mundo (1974, 1978), com evidente prejuízo para os clubes com atletas convocados para a seleção brasileira. Diante de tamanha improvisação, era natural que os campeonatos estaduais também eles atravessassem o ano civil e, pior, que boa parte dos grandes clubes privilegiasse as disputas locais em detrimento das nacionais. A situação chegara a um estado periclitante nas temporadas de 1978 e 1979, quando se disputaram três Campeonatos Cariocas e dois Campeonatos Paulistas em sequência (no primeiro caso de 2 de setembro de 1978 a 4 de novembro de 1979; no segundo, de 20 de agosto de 1978 a 10 de fevereiro de 1980, com uma pequena pausa entre 22 de novembro de 1979 e 27 de janeiro de 1980 para uma participação-relâmpago de sete quadros paulistas no Campeonato Brasileiro de 1979). Pior: o desprestígio do torneio nacional chegou a tal ponto que, em 1979, três dos quatro grandes clubes paulistas — o Corinthians, o São Paulo e o Santos —, mais a Portuguesa de Desportos, declinaram do convite da CBD de participar do campeonato nacional.

Pois, a partir da posse de Coutinho, para além da estabilização da fórmula, o calendário também se reordenou, com o Campeonato Brasileiro disputando-se sempre no primeiro semestre e os estaduais no segundo. De resto, os principais torneios (o Brasileiro e os estaduais do Rio, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul) ou bem já estavam encerrados ou bem não se tinham iniciado quando da disputa da Copa do Mundo de 1982. Houve mais: excetuado o ano de 1979, quando Coutinho já pegara o bonde em movimento, torneio nenhum de futebol atravessou o ano-calendário, enquanto Coutinho presidiu a CBF.

Este é um detalhe importante para compreender a história e as carências técnicas da sentença obtida pelo Sport em 1994. Essa reordenação do calendário, Coutinho não a obteve apenas graças aos poderes da CBF de estabelecer períodos de disputa. Ele a conseguiu graças a dois diplomas legais: a 20 de agosto de 1981, Coutinho obteve do coronel Montagna e de seu CND a promulgação de duas deliberações, as de nº 16 e 17, que disciplinaram a questão de uma vez por todas (ou assim parecia). A deliberação de nº 16/1981 estabeleceu, em seu art. 1º, que «todos os campeonatos de futebol profissional, de quaisquer de suas divisões [sic], deverão ser encerrados, obrigatoriamente, no ano civil em que se iniciaram». A de nº 17/1981, complementando e reforçando a primeira, prescreveu o seguinte: «Enquanto uma ou mais associações da primeira divisão de futebol profissional estiverem participando do Campeonato Brasileiro de Futebol, as Federações a que as mesmas estiverem filiadas não poderão dar início aos seus respectivos campeonatos regionais daquela divisão […].»

 

A REDEMOCRATIZAÇÃO E O «PACOTE DO FUTEBOL»

Restabelecida a democracia em 1985, os grandes clubes começaram a organizar-se para construir um novo arcabouço normativo mais conducente ao primado de seus interesses, até ali subordinados ao das federações. Pugnavam, muito especialmente, pelo estabelecimento de torneios mais racionais e menos deficitários, levando com isso a bom termo o processo iniciado por Coutinho em 1980. Também desejavam coibir os abusos que historicamente vicejaram na gestão cotidiana das federações, que como se viu se agravaram substancialmente com a Lei nº 6.251/1975. Aos olhos do grande público, a meta-síntese desse programa era a criação de um Campeonato Brasileiro com um número razoável de clubes (entre dezesseis e vinte), com mecanismos previsíveis de acesso e descenso entre a primeira, a segunda e, porventura, uma terceira divisões. Mas, para chegar a esse desfecho, entendiam que era necessário aperfeiçoar os processos de gestão do futebol, pondo fim ou atenuando o voto unitário e obrigando as federações e a CBF a darem voz e voto aos clubes quando da definição de regulamentos de competições. Idealmente, esperava-se que os clubes pudessem participar da escolha do presidente da CBF (processo até então restrito às federações estaduais) e que, eventualmente, pudessem gerir os campeonatos de que participassem a partir de ligas independentes.

Muitas dessas bandeiras foram apresentadas no seio de uma Associação Brasileira de Clubes de Futebol, um antecessor imediato do Clube dos Treze que congregava 26 clubes. Mas o esforço não morreu aí, em convescotes de cartolas. Em 1985, o ex-presidente do Flamengo Marcio Braga cumpria seu primeiro mandato de deputado federal e era o porta-voz natural desses anseios. Desfrutava, então, de bom trânsito junto ao presidente eleito Tancredo Neves e boa parte dos condestáveis do novo regime. E obteve do presidente eleito a nomeação (depois confirmada por José Sarney) de duas figuras chave comprometidas com os mesmos ideais: para o posto de secretário de Educação Física e Desportos do Ministério da Educação, fez nomear seu amigo e também dirigente rubro-negro Bruno da Silveira; para a presidência do CND, obteve a nomeação do professor Manoel José Gomes Tubino, oficial militar e catedrático em Educação Física. Era, na avaliação de Braga, o mais brilhante de uma geração de oficiais interessados por esportes que gravitavam em torno do almirante Heleno Nunes (entre os quais também estava o saudoso capitão Claudio Coutinho). De todos eles, Tubino era quem tinha uma visão mais orgânica sobre gestão desportiva e sobre as reformas que se fariam necessárias num ambiente de democracia.

Essas ideias estiveram bem presentes nos debates em torno da sucessão de Giulite Coutinho, em janeiro de 1986. Muito embora os clubes não votassem, eles pressionavam e lograram obter o compromisso da chapa de Octávio Pinto Guimarães e Nabi Abi Chedid com três propostas fundamentais para os interesses dos grandes clubes: (1) a extinção do voto unitário nas principais deliberações, no seio das federações (o que, a rigor, era matéria de lei); (2) o «compromisso com uma administração participativa na CBF», que se daria, muito especialmente, com a instituição de conselhos arbitrais, compostos pelos clubes participantes dos campeonatos promovidos pela CBF, a quem caberia aprovar definitivamente quaisquer regulamentos de competições que os envolvessem; e (3) a realização, já a partir de 1987, de um Campeonato Brasileiro mais enxuto e lucrativo, que atendesse ao mérito técnico das equipes, e com a instituição definitiva de divisões subalternas, com acessos e rebaixamentos regulares.[17]

Eleitos a 16 de janeiro de 1986, Guimarães e Chedid até fizeram menção, num primeiro momento, de cumprir a terceira promessa que fizeram aos clubes, a de instituir um Campeonato Brasileiro com 24 participantes já para 1987. Deu-se, no entanto, que a edição do torneio de 1986 foi, talvez, a mais caótica da história da competição. Ficou marcada sobretudo por uma «virada de mesa» que favoreceu o Vasco da Gama e que acendeu a luz verde para que os clubes rebaixados dentro de campo viessem a questionar na barra dos tribunais a justiça desses rebaixamentos.[18]

Quanto às demais promessas, quando se tornou abundantemente claro que Guimarães e Chedid nada pretendiam fazer a respeito, Tubino lançou mão dos poderes quase legislativos de que se viu investido ao assumir o CND (decorrentes dos art. 107, 157 e 158 do Decreto nº 80.228, de 25 de agosto de 1977). A 7 de outubro de 1986, adotou três resoluções que promoviam mudanças tão amplas e radicais que, por sua ambição, foram coletivamente batizadas de «o Pacote do Futebol».[19] Das três, a última, a de nº 18, é a que nos interessa menos, na medida em que regulamentava de maneira muito específica os campeonatos estaduais, estabelecendo limites de participantes, segundo as características de cada estado, instituindo divisões etc. Mais importantes são as duas primeiras, as de nº 16 (que tratou dos conselhos arbitrais) e 17 (que regulamentou o Campeonato Brasileiro).

Por determinação expressa da resolução nº 16/1986, «os estatutos das Federações dirigentes do futebol deverão prever, obrigatoriamente, a existência de Conselhos Arbitrais integrados pelas filiadas [os clubes] que disputem cada uma das divisões de profissionais» (art. 1º). A tais conselhos competiria, dali em diante, «elaborar os regulamentos técnicos dos campeonatos e torneios, fazendo deles constar a forma de disputa, número de turnos e de participantes, em cada turno ou fase, bem como a forma de distribuição de renda das partidas, nos limites da legislação em vigor» (art. 2º). Seria de sua atribuição, igualmente, «interpretar as disposições dos regulamentos técnicos baixados na forma deste artigo, bem como resolver as dúvidas e omissões que surgirem na sua execução» (art. 2º, parágrafo único). De resto, conforme estabelecia o art. 5º, «após sua aprovação [grifo do autor], os respectivos regulamentos só poderão ser alterados por decisão unânime dos integrantes do Conselho Arbitral, em reunião convocada especialmente para esse fim».

Já a resolução de nº 17/1986 tratava especificamente do Campeonato Brasileiro, de seu custeio e do controle dos recursos públicos nele empregados e, mais importante, de seu formato e organização. O art. 8º determinava que o Campeonato se realizaria sempre no segundo semestre; que seria estruturado em divisões «representativas de poderio técnico» dos clubes envolvidos, com acesso e descenso obrigatórios; e que, a partir de janeiro de 1988, «a Primeira Divisão […] não poderá ser integrada por mais de 20 (vinte) associações», mesmo limite estabelecido para a segunda divisão (a terceira, «se houver», poderia contar com até 24 clubes). E, para não deixar quaisquer dúvidas, o diploma reitera a regra estabelecida na resolução anterior: «a Confederação Brasileira de Futebol, a partir de janeiro de 1987, deverá criar Conselhos Arbitrais a serem integrados, anualmente, pelas associações disputantes de cada divisão de profissionais que for instituída, aplicando-se a esses, no que couber, o disposto na resolução nº 16/86» (art. 10).

Desnecessário dizer que tamanha revolução não se operaria sem enormes resistências de parte dos interesses contrariados — as federações estaduais e a própria CBF —, de maneira que não surpreenderá ao leitor que algumas dessas entidades tenham buscado melar o jogo em juízo, como era tão frequente no ambiente futebolístico da época. Imediatamente, algumas dezenas de federações ajuizaram ação pedindo, liminarmente, a suspensão das três resoluções. A 24 de fevereiro de 1987, o pedido foi atendido pelo juiz titular da 6ª vara da Justiça Federal de São Paulo, o dr. Sebastião de Oliveira Lima. Na imprensa e nos foros onde podiam atuar — inclusive no Congresso Nacional —, os dirigentes dos grandes clubes denunciaram os riscos de retrocesso, e a União, de sua parte, defendeu em juízo a legalidade das resoluções e a liminar cassada. O esforço dos clubes e do CND pareceu frutificar quando, na tarde de 11 de setembro de 1987, o antigo Tribunal Federal de Recursos cassou a liminar e com isso restabeleceu a vigência das resoluções.[20]

E com isto chegamos ao ponto crucial da controvérsia que será submetida pelo Sport ao Judiciário, que neste particular acabou decidindo contra a boa doutrina e a jurisprudência. Onze de setembro de 1987 é uma data importante não apenas pela cassação da liminar. Também foi a data em que a Copa União — o campeonato nacional montado pelo Clube dos Treze — principiou sem um regulamento vigente. Quando muito, o que havia era o regulamento que o próprio Clube dos Treze submetera à CBF, para homologação, no dia 7 de setembro. Surpreendentemente, no entanto, já com a bola rolando havia 30 minutos, e já com o Palmeiras vencendo o Cruzeiro por 2 x 0 na rodada inaugural, o vice-presidente da CBF publicou um regulamento seu que divergia das expectativas dos grandes clubes num aspecto crucial. Está no art. 6º, § 2º: «O campeão e o vice-campeão das taças João Havelange e Roberto Gomes Pedrosa disputarão, em quadrangular, o título de campeão e vice-campeão brasileiro de 1987, ficando de posse da Copa Brasil-1987 e classificados para representar a CBF na Taça Libertadores da América-1988.»

Noutras palavras, contrariamente ao que vinham defendendo e construindo os grandes clubes desde julho de 1987, para a CBF, o campeão brasileiro não seria o vencedor da Copa União, organizada autonomamente pelo Clube dos Treze. Seria, sim, o vencedor de um quadrangular, um cruzamento, entre o campeão e o vice da referida Copa União (que, na nomenclatura da CBF, será tratada como «Módulo Verde da Copa Brasil» ou «taça João Havelange»), mais o campeão e o vice do torneio que a própria CBF organizou às pressas com os quadros menores que ficaram de fora, o «Módulo Amarelo» ou «taça Roberto Gomes Pedrosa».

No ambiente futebolístico, muita onda se fez em torno do fato de o vice-presidente do Vasco da Gama, o dr. Eurico Miranda, ter concordado com o tal cruzamento num momento até hoje impreciso das tratativas pela oficialização da Copa União.[21] Trata-se, a rigor, de uma discussão perfeitamente inútil, e por dois motivos. Em primeiro lugar, porque os grandes clubes somente tomaram conhecimento da regra insólita no dia 15 de setembro, após encerrada a primeira rodada da Copa União, e imediatamente desautorizaram o gesto do dirigente vascaíno. Se considerarmos todos os pronunciamentos públicos do Clube dos Treze que antecederam o 11 de setembro, mais todos os que o sucederam, fica meridianamente claro que Eurico Miranda, ao assinar o regulamento, agiu ultra vires, isto é, ultrapassando os poderes do mandato negociador que lhe fora concedido.

Mas há uma segunda razão pela qual a assinatura de Miranda não trazia consigo quaisquer efeitos jurídicos. É que, a rigor, diante da liminar que suspendeu a vigência das resoluções a 24 de fevereiro, e daquela outra que cassou a primeira liminar, a 11 de setembro, só duas conclusões são admissíveis: ou bem o regulamento imposto por Chedid era válido em si e por si, diante de um vácuo legal, ou teria forçosamente de ser submetido ao conselho arbitral para aprovação, rejeição ou modificação, diante da repristinação das resoluções (a 11 de setembro ou a 29 de outubro). E tanto é assim que, em juízo, o Sport e seus advogados jamais mencionaram o gesto inconsequente do cartola vascaíno: a discussão toda centrou-se, desde o princípio, na alternativa que aqui se acaba de expor.

Num primeiro momento, parecia prevalecer a interpretação mais razoável: restabelecidas as resoluções, cumpre convocar o conselho arbitral, que será soberano para avaliar o regulamento, podendo dele expurgar quaisquer normas que não atendam à conveniência da maioria. É atentar à formulação do art. 5º da resolução nº 16/86: a unanimidade que ali se exige para alterar o regulamento somente passa a ser necessária «após sua aprovação», isto é, após a aprovação do referido regulamento. E, a rigor, até ali não havia regulamento nenhum aprovado, eis que o conselho arbitral nem sequer fora convocado.

Tanto era, esse, um entendimento razoável que, em setembro, ele foi subscrito por verdes, amarelos e federações indistintamente. Em minha pesquisa, registrei nada menos que nove ocasiões em que clubes grandes ou pequenos, do Módulo Verde ou Amarelo, exigiram publicamente a convocação do arbitral para deliberar originariamente sobre o regulamento. O curioso é que, na primeira destas oportunidades, a 15 de setembro de 1987, um pedido nesse sentido foi subscrito pelo Sport Club do Recife, que depois, quando outra coisa lhe convinha, virá sustentar tese diversa em juízo.[22] Do outro lado, no entanto, 21 federações postulavam em juízo a convocação de uma assembleia geral da CBF que deliberaria, nada mais, nada menos, sobre o impeachment de Guimarães e Chedid, pelas concessões até ali feitas ao Clube dos Treze. Temerosos da reação das federações, os dois dirigentes da CBF procrastinaram o quanto puderam, e atravessaram todo o ano de 1987 sem cumprir a providência que a lei impunha e Tubino lhes exigia: a convocação do conselho arbitral.

Nas semanas turbulentas que se seguiram, a CBF chegou até mesmo a firmar um acordo com os grandes clubes, a 22 de setembro, prevendo a convocação do arbitral «assim que a Justiça o permitir» [23] (ou seja: assim que a decisão de 11 de setembro fosse publicada). Evidentemente, no entanto, a entidade escusou-se de cumprir esse acordo, até que, já na fase final da Copa União, Guimarães e Chedid fizeram menção de implementar o regulamento que outorgaram, com cruzamento e tudo, sem consultar a respeito o conselho arbitral.

Foi neste momento que Tubino e o CND decidiram agir, deixando clara que a interpretação dos grandes clubes contava com a chancela oficial. A 16 de dezembro de 1987, com o Flamengo já campeão da Copa União e com Chedid ameaçando marcar um quadrangular que os grandes clubes se recusavam a disputar, o CND, por unanimidade, determinou o seguinte:

 

[Que], no prazo de trinta dias, contados a partir do recebimento da presente comunicação, [a CBF] realize a primeira reunião do conselho arbitral da CBF, módulos Verde e Amarelo, devendo ser convocados, respeitados os prazos legais, os representantes legais dos trinta e dois clubes que foram convidados, inclusive do América, a participar do Campeonato Brasileiro de 1987, em cada um dos denominados módulos Verde e Amarelo, ocasião em que a reunião do conselho arbitral deverá obedecer, no que couber e com as adaptações que forem necessárias, ao disposto nas resoluções n° 16/86 e 17/86, ambas expedidas pelo CND.[24]

 

Restava ainda esclarecer duas questões: (1) o tal conselho arbitral, não tendo até então deliberado originariamente, poderia modificar o regulamento sem unanimidade? (2) e que dizer da norma da deliberação do CND de nº 16/1981, que proibia a extensão do campeonato para além do término do ano-calendário? O CND tratou de dirimi-las numa comunicação datada de 7 de janeiro de 1988, em resposta à solicitação, tardia e marota, da CBF de que o CND autorizasse a disputa do «quadrangular final» em janeiro e fevereiro de 1988:

 

[A] solicitação ora efetuada apresenta-se como de todo imprópria, porquanto do restabelecimento da eficácia jurídica das resoluções n° 16/86, 17/86 e 18/86, […] tornando, incontinenti, necessária a instalação do conselho arbitral da 1ª divisão de futebol profissional dessa entidade, […] haja vista que o regulamento do Campeonato Nacional de 1987 fora outorgado pela diretoria da CBF, quando, ex vi art. 10 da resolução n° 17/86 c/c art. 2° da resolução n° 16/86, a competência para a prática de tal ato pertence aos conselhos arbitrais respectivos. Portanto, é de todo oportuno que o conselho arbitral da 1ª divisão de futebol profissional dessa entidade se reúna no período aprazado, já que a ele a legislação desportiva assegura a competência para elaboração do regulamento do Campeonato Brasileiro de Futebol Profissional, para que conheçam [sic] oficialmente do regulamento outorgado por essa entidade, ratificando e aprovando, ou não, como compromisso entre seus membros, as disposições regulamentares ainda sem execução. […] Agora, quanto ao pedido de permissão para o término do Campeonato Nacional regulamentado por essa entidade para 1987, está flagrante a conexão com o assunto anteriormente explanado, sendo, consequentemente, mister que o conselho arbitral supramencionado conheça e delibere também sobre tal fato.[25]

 

Diante da ordem categórica do CND, a CBF não teve remédio senão adotar a providência de que vinha esquivando-se desde 11 de setembro de 1987 — aliás, desde janeiro do mesmo ano —, e convocou o conselho arbitral para 15 de janeiro de 1988. Reunido, o órgão aprovou por maioria ampla, 375 votos contra 104 [26], a proposta apresentada pelo mesmo Eurico Miranda que, em setembro, firmara o regulamento controvertido: ficava expurgada do regulamento a previsão de um quadrangular final, e o campeonato considerava-se encerrado a 13 de dezembro de 1987 (data em que apenas o Flamengo restava como campeão, tendo em vista a insólita decisão de Sport e Guarani de dividirem o título do Módulo Amarelo).[27]

O assunto parecia resolvido ali. Mas o Sport e um par de juízes federais pernambucanos entendiam a questão de maneira diversa.

 

DO GRAMADO PARA O TAPETÃO

Já na véspera do conselho arbitral, a 14 de janeiro de 1988, o Sport foi bater à porta dos tribunais para garantir a realização do quadrangular final, de que se julgava com «direitos adquiridos» de participar. Para garantir que a causa corresse num foro que lhe fosse mais conveniente, o clube decidiu acorrer à seção pernambucana da Justiça Federal. Meses e anos depois, confrontada com a escolha do foro, a Procuradoria da República, primeiro, e a Advocacia-Geral da União, depois, se insurgiriam contra a suposta competência da Justiça Federal sobre o processo. A alegação do Sport, que prosperou em juízo, era a de que a sua lide era também contra o CND, órgão do Ministério da Educação, que no entanto atuava apenas em seu papel de «órgão normativo e disciplinador do desporto nacional» (art. 157 do Decreto nº 80.228, de 25 de agosto de 1977).[28]

Isto, por ora, é o de menos. O que importa aqui é que, a 14 de janeiro o Sport ajuizou no foro do Recife um pedido de medida cautelar preparatória de ação principal ordinária declaratória e de obrigação de fazer. Na mesma data, o juiz federal que conheceu da questão, o dr. Genival Matias de Oliveira, concedeu imediatamente a liminar solicitada, proibindo à CBF «acatar qualquer decisão do conselho arbitral […] que implique em alteração do regulamento do Campeonato Brasileiro de futebol profissional, edição 1987, ressalvada a hipótese da unanimidade».[29]

Diante da proibição, a CBF afinal agendou as partidas do tal quadrangular, que Flamengo e Internacional ainda assim se recusaram a disputar. De maneira que, a 7 de fevereiro de 1988, diante do descaso de praticamente toda a torcida e todos os meios de comunicação brasileiros, o Sport encerrou sua participação num quadrangular de dois, ao bater o Guarani por 1 x 0, e recebeu da CBF o troféu de campeão brasileiro.

Três dias depois, a 10 de fevereiro, o Sport viria a ajuizar a ação ordinária declaratória e de obrigação de fazer que começara a preparar a 14 de janeiro. E o fez, evidentemente, perante a seção pernambucana da Justiça Federal, tornada agora juízo prevento (i.e., o único com competência para tratar do assunto, por já ter anteriormente conhecido da questão). O Flamengo, do outro lado, não permaneceu inerte: batalhou pelo título que sabia seu nas instâncias mais capacitadas a julgar a controvérsia: o CND e a Justiça Desportiva organizada pela própria CBF.

Do CND, o clube carioca já obtivera, a 21 de janeiro, um pronunciamento formal no sentido de que de fato não era necessária a unanimidade para alterar o regulamento do Campeonato Brasileiro, eis que este regulamento jamais fora «aprovado», na forma da lei. A 12 de fevereiro, obteve do mesmo CND um pronunciamento oficial no sentido de que estavam vigentes duas normativas daquela entidade que proibiam a extensão do Campeonato Brasileiro para além do término do ano-calendário: a deliberação de nº 16/1981 e a resolução nº 17/1986, ambas já referidas. Acrescentou o STJD que, embora o tenha solicitado formalmente, a CBF nunca obtivera autorização para realizar o quadrangular final em janeiro e fevereiro de 1988, seja de parte do CND, seja de parte do conselho arbitral.

Mas houve mais: pressionada pela FIFA, a CBF — que até então vinha postergando o assunto para as calendas gregas — decidiu, a 17 de maio, homologar o questionabilíssimo «título» que o Sport vinha postulando em juízo. A 2 de junho, Flamengo e Internacional ajuizaram recurso voluntário perante o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), pedindo fosse declarado nulo o ato da CBF. A 9 de junho de 1988, o STJD deu-lhes razão, por quatro votos a três, baseando-se sobretudo na deliberação do CND de nº 16/1981. Aos olhos da Justiça desportiva, era nulo o ato da CBF de reconhecer no Sport o campeão brasileiro. A CBF, no entanto, fez ouvidos moucos à decisão: a 20 de junho de 1988, tornou a homologar o «título» do Sport e indicou-o, junto com o Guarani de Campinas, para a disputa da edição de 1988 da taça Libertadores da América.

Por quase seis anos, este permanecerá o status da controvérsia: o Sport campeão brasileiro de 1987 aos olhos da CBF, em expressa violação ao comando da sentença de quem, para citar uma vez mais Luís Roberto Barroso, era a instância devidamente instruída para alcançar, sobre este tema, a «verdade desportiva»: o STJD, secundado pelo CND.

 

A SENTENÇA DE 1994

Essa situação somente viria a alterar-se a 2 de maio de 1994, data da sentença do dr. Élio Wanderley de Siqueira Filho, então juiz titular da 10ª vara da Justiça Federal de Pernambuco. Ao debruçar-se sobre o tema, Siqueira decidirá equivocadamente sobre uma questão preliminar e quatro principais. Prelimarmente, deverá decidir se a Justiça Federal de fato é o foro adequado para dirimir a controvérsia.

A questão do foro não era um tema menor. Como se antecipou acima, apresentar a lide de maneira a suscitar uma oposição entre o Sport e a União Federal era parte fundamental da estratégia do clube pernambucano: era o que lhe garantia, nos termos do art. 99 do antigo Código de Processo Civil, a prerrogativa de propor a ação em qualquer circunscrição da Justiça Federal em capitais estaduais — inclusive no Recife, o que inegavelmente facilitaria o labor de seus advogados e dificultaria a vida dos representantes do Flamengo. Para que a estratégia prosperasse, no entanto, era necessário que se entendesse, em Juízo, haver algum interesse federal na questão (na acepção técnica do termo) ou, quando muito, que houvesse, de parte do Sport, alguma «pretensão resistida» pela União. Caso contrário, a ação teria de ser proposta no domicílio do réu que restasse, a CBF, que calhava de estar domiciliada no Rio de Janeiro, onde as possibilidades de a ação prosperar seriam muitíssimo mais reduzidas.

Para entender se a razão assistia ao Sport, é preciso atentar aos pedidos que formulou e aos argumentos em que os fundamentou. Como se verá mais abaixo, o Sport fará quatro pedidos, apenas um dos quais se volta contra a União: «ser determinado à [CBF] e à [União Federal] que se abstenham de determinar a convocação, de convocar ou de acatar qualquer decisão do Conselho Arbitral da CBF, [sic] que implique em alteração do Regulamento do Campeonato Brasileiro de Futebol Profissional, edição de 1987, salvo quando tomada por unanimidade de seus membros».

Ora, com um pouquinho de atenção se percebe que o pedido encerra uma incongruência lógica insuperável. Perceba-se: no que concerne à União Federal, o que agora se exige dela é que não determine a convocação do conselho arbitral (que ela já tinha determinado, a 16 de dezembro de 1987). A liminar obtida pelo Sport a 14 de janeiro de 1988, quando muito, impedia a CBF e o CND de acatarem qualquer deliberação do conselho arbitral que não fosse tomada por unanimidade (uma providência perfeitamente inócua no que concerne ao CND, eis que, como órgão «normativo e disciplinador», não lhe cabia acatar nada, apenas determinar). Eis que, agora, seis anos depois da liminar, espera-se do juízo federal que impeça o CND de convocar o que já havia convocado e de, no final das contas, eximir-se de acatar o que não lhe cabia acatar — a menos que o tal conselho arbitral, que não podia reunir-se, de alguma maneira se tenha reunido e tenha deliberado por unanimidade!

Noutras palavras, fica evidente, pelo absurdo da providência requerida, que a União não é parte legítima da causa, por não ter com o autor (o Sport) uma relação de direito material em que radique o litígio. A briga do Sport — e os próprios comandos da sentença deixam-no meridianamente claro — é com a CBF, que apenas dela esperava o clube pernambucano uma providência capaz de satisfazer sua pretensão: não acatar a decisão do conselho arbitral. E, não sendo a União parte legítima, a causa sairia da alçada da Justiça Federal, e teria de ser julgada no Rio de Janeiro.

Este foi o fulcro do agravo de instrumento apresentado pelo Ministério Público Federal a 26 de janeiro de 1988, em face da liminar de 14 do mesmo mês; do mandado de segurança por ele impetrado a 18 de fevereiro; e da contestação do mesmo Ministério Público de 7 de novembro de 1988. A tudo isso o Sport respondeu criticando o presidente do CND por sua «parcialidade e interesse pessoal ou do órgão que dirige» no tema de fundo, ilustrando-o com sete recortes de jornal em que o professor Manoel Tubino não faz mais que expressar sua opinião pessoal acerca dos dispositivos legais em jogo. Nada, enfim, que passe perto de desmentir a constatação insofismável da Procuradoria da República de que, «se a União não tem qualquer interesse na lide, não apresentando o [Sport] argumento que justifique o chamado da União Federal a integrar a relação processual em foco, a ilação a que se chega é a de que a mesma não é parte legítima para figurar nesta ação».[30]

A tudo isso, como respondeu o juiz? Com uma afirmação que não passa de uma petição de princípio: a Justiça Federal é o foro adequado porque a União é um dos réus — e nem uma palavra sobre a falta de qualquer interesse jurídico da União no tema. Citemo-lo textualmente:

 

Em primeiro lugar, argumentou-se que este Juízo seria incompetente, por estar sediada a Confederação Brasileira de Futebol – CBF no Rio de Janeiro – RJ, localidade na qual, ao pensar de um dos litisconsortes [o S.C. Internacional], deveria ter sido ajuizada a demanda. Ora, como se pode verificar com a simples leitura da exordial, a ação foi proposta fundamentalmente contra a União Federal e a Confederação Brasileira de Futebol – CBF, sendo indicados os demais clubes interessados como litisconsortes.

Como é de todos sabido, nos feitos em que a União Federal é ré, a parte demandante pode, perfeitamente, ingressar em juízo em qualquer das Capitais dos Estados brasileiros, nos termos do art. 99 da Lei Adjetiva Civil. O art. 94, § 4º, do mesmo diploma legal, [sic] consigna que, “havendo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor”. Não há, portanto, qualquer impedimento à propositura da ação em análise perante a Justiça Federal – Seção Judiciária de Pernambuco, pela presença da União Federal no litígio. Rejeito, pois, a preliminar de incompetência do Juízo […].[31]

 

Superada, pois, a preliminar da ilegitimidade da parte, o juiz podia enfim debruçar-se sobre os quatro pedidos do Sport. Quais são eles? Em essência, o clube pernambucano pleiteava ao juízo federal quatro providências: (1) que a Justiça declarasse válido o regulamento imposto pela CBF em 11 de setembro de 1987; (2) que, diante da validade do regulamento, estabelecesse de uma vez por todas que o conselho arbitral só poderia modificá-lo por unanimidade de votos; (3) que, não tendo havido unanimidade, a CBF se abstivesse de reconhecer a decisão do conselho arbitral de 15 de janeiro de 1988; e, finalmente, (4) que determinasse à CBF que «reconheça [o Sport] como o legítimo campeão brasileiro de 1987».

Tudo, em suma, dependia de considerar válido o regulamento imposto por Nabi Abi Chedid. Para o Sport, o regulamento era inatacável porque a CBF atuara dentro de suas prerrogativas estatutárias, não vigendo, temporariamente, a regra da resolução do CND de nº 16/1986, segundo a qual regulamento nenhum se perfaz sem a sua aprovação pelo conselho arbitral. O clube pernambucano foi além: desenvolveu uma tese questionabilíssima de que o Flamengo e os outros quinze participantes da Copa União aprovaram «tacitamente» o regulamento (presume-se que pelo fato de continuarem a participar da disputa).

Nesta altura, é impossível não reconhecer que o Flamengo pecou em sua argumentação. Em sua contestação, o clube nem sequer passa perto de assinalar os fatos que, apresentados ao juiz, teriam jogado por terra a tese da aprovação tácita: que, em pelo menos oito oportunidades, o Clube dos Treze exigiu publicamente a convocação do conselho arbitral, para conhecer originariamente do regulamento[32]; que aquele foi um torneio singularíssimo, a rigor organizado pelo próprio Clube dos Treze, com os recursos que ele próprio arrecadou, com a fórmula de disputa por ele aprovada e segundo cronograma de jogos por ele decidido; que em momento algum os clubes participantes (ao contrário do que afirma o juiz) se inscreveram para disputar o Campeonato, chegando mesmo a manifestar por escrito a sua desistência de participar de qualquer torneio organizado pela CBF, de modo a privilegiar a disputa da Copa União[33]; que as tratativas que houve, depois disso, diziam respeito unicamente ao desejo desses clubes de tornar oficial a disputa, e que o gesto tomado unilateralmente por Eurico Miranda, excedendo os poderes do mandato de que dispunha, foi imediatamente desautorizado por seus pares.[34]

Mas esta, a rigor, era uma questão adjetiva. O fulcro da questão eram mesmo os efeitos passíveis de extrair-se da liminar de 25 de fevereiro de 1987. Teria essa liminar, como sustentava o Sport, o condão de tornar o regulamento imposto a 11 de setembro de 1987 um ato jurídico perfeito (e, portanto, somente passível de alteração por unanimidade de votos)? Ou seria ela, como sustentaram o Flamengo e a União, um ato por natureza transitório, cujos efeitos perdurariam apenas si et in quantum (ou seja, apenas enquanto a própria liminar perdurasse)? E, nesse caso, cassada a liminar, cumpriria submeter o regulamento à análise originária do conselho arbitral, que poderia aprová-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte, por simples maioria de votos? Foi o que sustentou o CND em sua comunicação de 7 de janeiro de 1988 e foi, a rigor, o que defendeu o Clube dos Treze tão logo tomou conhecimento do regulamento. E argumentavam, Flamengo e União, com amparo na redação inequívoca da lei.

 

Para tanto impõe-se trazer à baila o art. 5º da Res. 16/86 do CND, que criou o Conselho Arbitral[,] que diz:

Após sua aprovação, os respectivos regulamentos só poderão ser alterados por decisão unânime dos integrantes do Conselho Arbitral, em reunião convocada especialmente para esse fim, devendo, imediatamente, ser remetidos à Confederação Brasileira de Futebol (grifo nosso).

Pois bem. Tal dispositivo é claro e espanca qualquer dubiedade quanto somente [sic] ser exigível a unanimidade de votos APÓS A APROVAÇÃO DO REGULAMENTO, ou seja, a condição para que a manifestação unânime dos clubes do C. Arbitral fosse exigida é de que [sic] antes o regulamento teria que ser aprovado!! Isto é inarredável!!

A própria inicial se encarrega de esclarecer V.Exª. de que [sic] o Conselho Arbitral somente foi convocado pelo CND após ter sido cassada a liminar que suspendia a convocação do dito conselho e porque a CBF a quem caberia convocá-lo simplesmente se omitia a tanto [sic], daí a ordem expressa do CND.[35]

 

De um ponto de vista estritamente lógico, o raciocínio é impecável. Entender de outro modo seria violar o espírito da lei, que era o de dar aos clubes voz e voto no momento de decidir sobre as competições de que participassem. Teria sido, no entanto, conveniente complementar o raciocínio com referências jurisprudenciais acerca da questão de fundo: a persistência, ou não, dos efeitos da liminar de 25 de fevereiro para além de sua cassação, a 11 de setembro (ou a 29 de outubro). Mais do que o Flamengo, a União— que, embora parte ilegítima, agia em defesa da vigência da legislação federal — esteve atenta à questão, e pretendeu dirimi-la em poucas palavras:

 

Inexiste direito adquirido da agravada. A competência para elaborar o Regulamento do mencionado certame é do Conselho Arbitral, do Campeonato Brasileiro de Futebol [sic] […]. Como salienta o próprio requerente, a eficácia das normas acima mencionadas foram suspensas [sic] em face de liminar concedida pelo MM Juízo Federal da 6ª Vara do Estado de São Paulo […]. Logo, em face de uma decisão judicial sem trânsito em julgado, suscetível de modificação, ficou o Campeonato, em foco,[sic] sendo disciplinado pelo Regulamento que havia sido elaborado pela diretoria da CBF […]. Ocorre que o Egrégio Tribunal Federal de Recursos em acórdão publicado em 29.10.1988 […] cassou a liminar concedida […], tornando assim necessária a instalação do Conselho Arbitral. Logo, como se falar em direito adquirido quando se tem uma situação, ainda indefinida, sub-judice como ocorreu in casu. Restabelecidas as eficácias [sic] das Resoluções CND nº 16/86, 17/86 e 18/86, por força de decisão judicial, atitude correta a ser tomada pelas requeridas seria a que tomou [sic], ou seja, a de instalar o Conselho Arbitral[,] órgão competente para emanar o Regulamento do Campeonato Nacional de 1987.[36]

 

Talvez a questão parecesse suficientemente incontroversa, ao Flamengo como à União, para merecer maiores considerações. Doutrina e jurisprudência, afinal, coincidiam em que «perdurarão os efeitos da medida [liminar] até o momento em que a subsistência se revele desnecessária (porque já atendido, em termos definitivos, o requerente) ou injusta (porque verificado inexistente o suposto direito a cuja salvaguarda se ordenava a providência)»[37]; que «a extinção do processo principal […] faz cessar os efeitos da providência cautelar»[38]; que «a suspensão do processo (cautelar ou principal)» tem o condão de afetar a eficácia das medidas cautelares em caso de «decisão judicial expressa em sentido contrário»[39]; que «os provimentos cautelares são em princípio provisórios; o provimento definitivo que coroa o processo principal ou reconhecerá a existência do direito (que será satisfeito) ou sua inexistência (revogando a medida liminar)»[40].

Noutras palavras, diante de tudo o que precede, não havia que se falar em «direitos adquiridos», como fazia o Sport, em face de liminar afinal cassada, e de resto concedida a terceiros que nem sequer integravam a relação processual de que aqui se cuida (as federações estaduais).

Tudo isso era suficientemente óbvio para que o juiz da causa rejeitasse de plano a tese do Sport, fundada em direitos supostamente adquiridos. Se quisesse satisfazer a pretensão do clube pernambucano, o magistrado teria de conceber uma saída mais sofisticada do que aquela sugerida pelos advogados do autor.

E foi o que ele fez, para desgraça do Flamengo e do futebol brasileiro (tendo em vista o que representaram o ensaio modernizador de Manoel Tubino e a própria Copa União). Superada — em sentido equivocado — a preliminar da incompetência do juízo federal, e ignorando todos os fatos aqui assinalados (e que cumpria ao Flamengo apresentar no curso do processo), o dr. Siqueira Filho esposou na íntegra a tese da «aprovação tácita» do regulamento por parte do Flamengo e do Clube dos Treze. Ou seja, para ele, o regulamento, embora outorgado sob o amparo fragilíssimo duma liminar, perfez-se no momento mesmo em que os clubes entraram em campo, deram o pontapé inicial e passaram a disputar o campeonato. E, portanto, perfeito que era, somente poderia ser alterado pela unanimidade prevista no art. 5º da resolução do CND de nº 16/1986. Tudo isso o juiz argumentou com base no que hoje talvez chamássemos «fatos alternativos», destes que se chocam com a realidade material, mas ainda assim prevalecem como se fatos fossem em determinados nichos ideológicos, regionais ou clubísticos:

 

Na oportunidade, houve um movimento de diversas agremiações esportivas, de considerável peso no cenário futebolístico nacional, para instituir um campeonato próprio, que foi denominado de Copa União. Era o “grupo dos 13”, como chamado à época. Buscou-se oficializar o aludido campeonato, com a adoção de um regulamento preparado pela Diretoria da CBF, ou seja, sem a necessária aprovação do Conselho Arbitral prevista na Resolução nº 17/86, do Conselho Nacional de Desportos. Tal procedimento se deveu, como fartamente comprovado nos autos, a uma decisão judicial suspensiva da eficácia da aludida norma da Resolução nº 17/86.

Embora não tenha havido tal aprovação, o regulamento foi tacitamente acolhido pelos clubes participantes, que iniciaram, assim, as competições. Quando já estava próximo o final do aludido campeonato, de modo plenamente casuístico, procurou-se expurgar a norma que previa a última fase, consistente no cruzamento entre os campeões dos Torneios João Havelange e Roberto Gomes Pedrosa, mais conhecidos como Módulos Verde e Amarelo. Tal discussão veio a surgir exatamente quando chegou-se [sic] aos campeões de cada módulo, ou seja, quis-se modificar a regra quando o campeonato há muito já estava em curso, atingindo sua etapa derradeira.

[…]

O argumento de que não há que se falar em alteração do regulamento, se este não tinha sido sequer aprovado pelo Conselho Arbitral, não pode prevalecer. Se o campeonato inicia, tem todo o seu desenvolvimento de acordo com o regulamento, tendo os clubes participantes regularmente efetuado a sua inscrição [sic], houve uma aceitação do regulamento. Foi, faticamente, aprovado pela prática de ato incompatível com a intenção de rejeitá-lo, consistente na submissão espontânea a suas regras, com a participação nos jogos estabelecidos.

[…]

Afastada fica, portanto, as teses [sic] de que desnecessário o pronunciamento da unanimidade do conselho arbitral e de que não se cuidava de alteração do regulamento, mas de sua inicial aprovação, vez que, como antedito, ele foi chancelado pelas agremiações quando voluntariamente se inscreveram no Campeonato Brasileiro e dele participaram.[41]

 

O breve panorama histórico que se apresentou supra há de ser o bastante para demonstrar que o juiz se pautava por um entendimento completamente equivocado dos fatos. A bem da verdade, nem o Clube dos Treze pretendeu oficializar a Copa União com um «regulamento preparado pela diretoria da CBF» — eis que submetera seu próprio regulamento à CBF, a 8 de setembro de 1987[42] —, nem houve aprovação tácita, eis que os clubes envolvidos na disputa exigiram a convocação do conselho arbitral em pelo menos nove oportunidades, no curso da competição (curiosamente, como já se registrou, um desses pedidos foi subscrito pelo Sport).[43] E nem se diga que a «irresignação» dos clubes foi tardia ou intempestiva, uma vez que a primeira manifestação nesse sentido data de 15 de setembro de 1987, no mesmo dia em que a maioria dos clubes tomou conhecimento do regulamento.

Mas só insistir na tese da «aprovação tácita» pareceria insuficiente, uma vez que se estava diante de um dispositivo legal que, inequivocamente, estabelecia um rito formal para a aprovação do regulamento. Foi para desvencilhar-se deste problema incômodo que o juiz da causa recorreu à tese curiosa das «situações jurídicas consolidadas» ao arrepio da lei:

 

Entendo que o atropelo dos fatos sobre a tutela jurídica gerou uma situação peculiar, que passo a apreciar. A liminar foi deferida para serem sustados os efeitos da norma que previa a regulamentação do campeonato pelo conselho arbitral […]. Embora tal providência judicial tenha nítido caráter provisório, gerou uma situação de impossível reversão ao status quo ante, vez que era necessário normalizar o certame, o que restou efetuado pela diretoria da CBF. Sei que a medida liminar […] tem caráter acessório, instrumental e provisório. Mas não se pode olvidar a série de relações jurídicas eclodidas sob a sua égide, que merecem uma consideração especial. Estou perfeitamente ciente da inexistência de direito adquirido, in casu, à mantença da situação gerada a partir da liminar.

Acontece que, conforme antedito, se está diante de uma situação jurídica consolidada, cuja modificação produzirá mais graves prejuízos do que a sua mantença. A tutela jurisdicional não pode se dissociar [sic] do cotejo das consequências nas esferas jurídicas dos interessados. A situação jurídica consolidada, embora não equiparada ao direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, consagrados na Carta Magna, há que ser analisada com o máximo de cautela, em nome da própria segurança jurídica. […]

Com base em uma medida liminar, foi redigido o regulamento pela diretoria da [CBF]. Iniciou-se o campeonato, sendo seguidas suas regulares etapas, até que houve um pronunciamento da Corte Superior, cassando a providência provisória. Não se pode negar eficácia jurídica ao ato judicial antes pronunciado [a liminar]. Uma decisão judicial ulterior não pode, em absoluto, subverter os fatos concretizados na realidade humana, sob a égide do pronunciamento judicial anterior.

É por isso que afirmei […] que os fatos “atropelaram” a tutela jurídica. Comparando-se os benefícios e os prejuízos advenientes da suspensão ou permanência da medida, torna-se mais prudente e atende aos interesses sociais mais relevantes a mantença da liminar em todos os seus efeitos, não se emprestando, pois, efeitos retroativos ao decisório do [TFR]. A imposição, pois, da submissão prévia do regulamento à deliberação do conselho arbitral […] apenas seria pertinente aos futuros campeonatos, e não ao de 1987, que já estava bastante próximo de seu término.[44]

 

Em suma, para o juiz da causa, da liminar cassada não decorrem exatamente «direitos adquiridos», como sustentava o Sport, mas sim «situações jurídicas» — no mínimo expectativas de direitos — que, uma vez «consolidadas», cumpria proteger. E a percepção do magistrado é que tais situações se teriam «consolidado» (insista-se no adjetivo, pelo que tem de explicitamente contrário à noção mesma de uma liminar) no período entre 11 de setembro e 16 de dezembro de 1987, quando Manoel Tubino, cansado da procrastinação da CBF, determinou que ela convocasse de uma vez por todas o conselho arbitral. O juiz não chega a extrair efeitos imediatos da consolidação de tais eventos, ou seja, do prosseguimento da disputa. À maneira do direito anglo-saxão, concebeu um teste para decidir da conveniência ou não de proteger tais situações. Seria o caso, explicou, de sopesar os efeitos de manter e os efeitos de não manter o regulamento original, e privilegiar o cenário que cause menos estragos.

Já chegaremos ao que havia de impróprio nesse raciocínio. Por ora, julguemo-lo pelos critérios que o próprio juiz estabeleceu. Ora, o teste idealizado pelo magistrado indicaria a conveniência de aplicar desde já as resoluções repristinadas, de convocar o conselho arbitral e implementar imediatamente sua decisão soberana. É considerar que estava em jogo, de um lado, o interesse de um clube em prosseguir numa disputa insólita, da qual a rigor ele fora desclassificado dentro de campo, ao terminar o Campeonato Brasileiro de 1986 entre os clubes rebaixados.[45] Em contraste, do outro lado, o que havia era o interesse de toda a sociedade de, em sintonia com a abertura política, ver triunfar a revolução libertária encampada por Manoel Tubino desde 1985, que visava a cortar as amarras que ainda atrelavam os clubes de futebol a um esquema de moldes fascistas (no sentido próprio do termo). Exposta a questão nesses termos — e o Flamengo nunca o fez —, estava claro qual dos dois cenários o juiz da causa deveria privilegiar.

Mas esse raciocínio parte do pressuposto de que a tese das «situações jurídicas consolidadas» de fato se aplicasse ao caso em pauta. Transcorridos tantos anos, a jurisprudência assentada sobre o conceito do «fato consumado» está aí a indicar que não, não se deveria aplicar. Mesmo em 1994, já saltava aos olhos que a operação heterodoxa de extrair efeitos definitivos de uma liminar precária somente se justificaria em situações excepcionalíssimas. E que, portanto, essa era uma sentença facilmente reversível, caso o Flamengo tivesse lançado mão de sua prerrogativa natural de recorrer.

«Situações excepcionalíssimas», aliás, foi justamente o termo usado pelo ministro José de Castro Meira, do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar uma situação análoga, em 2011. A essa altura, a teoria do fato consumado já fora refinada ao ponto de tornar-se lugar-comum em litígios envolvendo concursos públicos, normalmente no caso de candidatos empossados por força de liminar, a despeito de não terem cumprido uma das exigências do edital (e.g., um exame psicotécnico, ou a apresentação de certificado de colação de grau). Pois foi ao deparar-se com um desses casos que o ministro afirmou que «a teoria [do fato consumado] aplica-se apenas em situações excepcionalíssimas, nas quais a inércia da administração ou a morosidade do Judiciário deram ensejo a que situações precárias se consolidassem pelo decurso do tempo».[46] Nenhum dos dois pré-requisitos — nem a inércia da administração (que mandou convocar o conselho arbitral tempestivamente, para fazer frente à procrastinação da CBF), nem a morosidade do Judiciário (que cassou a liminar no mesmo dia em que teve início a disputa do Campeonato) —, nenhum dos dois pré-requisitos, dizia-se, aplica-se ao caso em pauta.

Se isso não bastasse para evidenciar as carências da sentença de 1994, há ainda um julgado quase contemporâneo da eminente ministra Eliana Calmon, da mesma corte. Em recurso especial, Calmon decidiu que a teoria do fato consumado «visa a preservar não só interesses jurídicos, mas interesses sociais já consolidados, não se aplicando, contudo, em hipóteses contrárias à lei, principalmente quando amparadas em provimento judicial de natureza precária».[47] Ora, no caso de 1987, a obrigação de submeter o regulamento à aprovação do conselho arbitral decorria, inequivocamente, de diploma legal: a resolução do CND de nº 17/1986.

Nada disso foi considerado pelo juiz da causa. E tampouco ele dedicou demasiada reflexão à outra norma de sentido inequívoco que, para além de tudo o mais, tornava ilegal a extensão do campeonato para além do ano-calendário. Trata-se justamente da deliberação do CND de nº 16/1981, aquela pela qual o CND do coronel Montagna ajudou Giulite Coutinho a pôr um mínimo de ordem no calendário futebolístico brasileiro. Pois muito bem: não é que o juiz nem sequer a tenha considerado; é que, como fizera com a questão da incompetência de seu próprio juízo, desvencilhou-se dela com um piparote. Vejamos:

 

Finalmente, asseverou-se que o cruzamento apenas se realizou no ano de 1988, quando, por norma regulamentar, deveria ter sido concluído no próprio ano de 1987. Ora, tal fato não se deveu à vontade do demandante, mas às circunstâncias mesmas do campeonato em tela, que importaram na inobservância do desejado calendário [grifo do autor]. Foi formulada a postulação, por parte da Confederação Brasileira de Futebol – CBF, de autorização específica para a ultrapassagem do citado limite temporal ao Conselho Nacional de Desportos – CND. Os atropelos evidenciados claramente conduziram a tal atraso, o qual, tendo em vista a ciência das entidades responsáveis, no caso, CBF e CND, não importou na invalidação da realização da fase final.[48]

 

Não está claro a que «atropelos» se referia o juiz da causa. O anúncio de que o quadrangular final se realizaria «no início de 1988» já fora feito por Nabi Abi Chedid a 1º de outubro de 1988.[49] A despeito disso, o mesmo Chedid só fará a solicitação formal ao CND no dia 18 de dezembro do mesmo ano.[50] Não há, aí, «atropelos» nenhuns em detrimento do Sport. Há, sim, um elo a mais numa cadeia de atos praticados pela CBF e pelas federações com o fito de contornar dispositivos legais. Confrontado com isso, em vez de preservar a integridade da ordem jurídica, o magistrado preferiu considerar o comando legal um «desejo», que se pode acomodar ou não.  Quando mais não fosse, estava aí a razão que faria do Flamengo vencedor da demanda em grau de recurso (até mesmo porque foi com base nesse dispositivo que o clube obteve seguidas vitórias nas instâncias tecnicamente competentes, no CND como no STJD).[51]

O fato é que foi com esses fundamentos questionáveis que o juiz da causa se sentiu habilitado a decidir como decidiu, concedendo ao Sport os quatro pedidos que formulara em sua inicial. Citemos, pois, a parte dispositiva da sentença, até mesmo porque ela costuma ser citada à exaustão, como se argumento definitivo fosse, em muita mesa redonda ou foro de Internet:

 

Em face do exposto, julgo procedentes, in totum, as pretensões formuladas na peça exordial, para declarar válido o regulamento do Campeonato Brasileiro de Futebol Profissional de 1987, outorgado pela Diretoria da CBF; declarar, ainda, necessária a aprovação da integralidade dos membros do Conselho Arbitral da dita entidade, para a sua modificação, determinando, outrossim, à Confederação Brasileira de Futebol – CBF e à União Federal (Conselho Nacional de Desportos – CND) que se abstenham de ordenar a convocação, convocar ou acatar decisão do Conselho Arbitral tendente à modificação do suso-citado regulamento, sem a deliberação unânime de seus membros, concluindo, pois, por determinar seja reconhecido o demandante [o Sport] como Campeão Brasileiro de Futebol Profissional do ano de 1987, pela Confederação Brasileira de Futebol – CBF.[52]

 

A decisão, claro, vale pelo que vale.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Surpreendentemente, o Flamengo jamais recorreu dessa sentença, e até aqui ninguém foi capaz de explicar satisfatoriamente as causas de tamanha negligência. Passando ao largo de outros deslizes lógicos ou afirmações questionáveis do juiz da causa[53], esta análise brevíssima apontou três causas que dariam embasamento suficiente à apelação que o Flamengo nunca interpôs: (1) não se aplica ao caso a «teoria do fato consumado», por ensejar a inobservância de expresso dispositivo legal, por estarem em jogo direitos de terceiros e pelo fato de a CBF não ter atuado de boa fé; (2) ainda que se aplicasse a teoria, a pretensão do Sport não sobreviveria ao teste estabelecido pelo próprio magistrado; e (3) em último caso, resta a deliberação do CND de nº 16/1981, que aos olhos do titular do juízo não constituía bem lei, mas um simples «desejo».

Não será, aqui, o caso de fazer uma análise exaustiva das instâncias subsequentes do processo. Bastará dizer que os únicos recursos que houve foram interpostos pela União, que a bem da verdade questionava apenas a sua própria condenação a pagar custas processuais.[54] Noutras palavras, a única apreciação que houve das questões de mérito aqui suscitadas foi a do juízo da 10ª Vara Federal de Pernambuco. É falsa, portanto, a asserção tantas vezes ouvida de que o Sport «foi considerado o campeão em todas as instâncias». Seja como for, a sentença transitou em julgado a 5 de abril de 1999.

A controvérsia entre Flamengo e Sport, como se sabe, foi ressuscitada uma vez que a CBF, numa análise puramente de mérito desportivo, e portanto perfeitamente embasada na autonomia consagrada na própria Constituição Federal (art. 217, I), decidiu reconhecer também o Flamengo como o campeão brasileiro de 1987. O Sport entendeu que a decisão violava o comando da sentença transitada em julgado, e seis anos depois o STF deu-lhe razão. O importante a ressaltar-se é que aqui não se cuidava de rediscutir o mérito da questão, mas sim de preservar a autoridade da coisa julgada (i.e., de uma sentença tornada definitiva por decurso de prazo, pela desistência do Flamengo de interpor, tempestivamente, os recursos que lhe cabia interpor). Foi isto, e apenas isto, o que o STF decidiu a 5 de dezembro de 2017 — deixando de lado, no processo, a «verdade desportiva» por que se bateu solitariamente o ministro Luís Roberto Barroso.

Seja como for, com a decisão terminativa do Supremo, parecem de fato esgotadas as vias que permitiriam ao Flamengo ver reconhecido o seu título pela Justiça brasileira. Que chances haveria de ver a verdade desportiva resgatada numa instância internacional, eis aí uma questão sobre a qual deveriam debater-se os advogados do clube. Há, de resto, o caminho apontado por esses mesmos advogados, nos pareceres que produziram de 2011 para cá, de ajuizar contra o Sport uma ação por responsabilidade civil, pelo fato de o clube pernambucano ter vindo a questionar na Justiça uma providência que ele próprio subscrevera em 1997, quando passou a integrar o Clube dos Treze (qual seja, a de serem reconhecidos os dois clubes, Flamengo e Sport, como campeões brasileiros de 1987).

Uma vez mais, são questões a ser estudadas pelos advogados do Flamengo. Até lá, o que está ao alcance dos torcedores mais ilustrados nos temas do direito — e este é o propósito fundamental deste artigo — é ajudar a pôr em perspectiva a importância e o alcance da sentença de 1994, eivada de tantas imperfeições. Seus comandos, no final das contas, são apenas lei entre as partes. Ela não tem o condão, repita-se, de proscrever o debate livre de ideias e não deve jamais servir para abafar a discussão entre torcedores e profissionais da imprensa interessados, sobretudo, em ver prevalecer a verdade desportiva.

E uma verdade desse quilate não será jamais afetada pelos efeitos mágicos da coisa julgada, aqueles que, no dizer de Scassia, e estritamente entre as partes, fazem «do branco, preto, […] do quadrado, redondo, […] do falso, verdadeiro». Fora dos autos, a verdade não é menos veraz porque não compreendida nos humanos limites de uma sentença. E cá fora, no mundo real, o Flamengo, o melhor de um torneio entre os melhores, permanece o único campeão brasileiro de 1987.

 


NOTAS

[1] Bacharel em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1998). Diplomata de carreira empossado em 2000, com missões permanentes nas Embaixadas do Brasil em Buenos Aires (2005-2008), Washington (2008-2011) e Ottawa (2014-2017). É autor de 1987: a História Definitiva, publicado em 2017 pela Maquinária Editora.

[2] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e Autoridade da Sentença. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1984. Citado por CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. São Paulo, Malheiros Editores, 1995 (11ª edição), p. 310.

[3] Para conhecer essa linha de argumentação, ver GALLINDO, André; ZIRPOLI, Cassio. 1987: de Fato, de Direito e de Cabeça. São Paulo, Onze Cultural, 2017.

[4] CARDOSO, Pablo Duarte. 1987: a História Definitiva. Rio de Janeiro, Maquinária Editora, 2017.

[5] RE 881864 AGR / DF, pp. 16 e 17.

[6] CARDOSO. Op. cit., pp. 224-225.

[7] Para uma cronologia detalhada dos acontecimentos, ver < https://dossier1987.wordpress.com/cronologia-1987/ >.

[8] CARDOSO. Op. cit., pp. 29-38. SARMENTO, Carlos Eduardo. A regra do jogo: uma história institucional da CBF. Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, 2006.

[9] As confederações eram, naturalmente, a entidade resultante da confluência de federações estaduais. O decreto reconhece ou constitui (art. 15) confederações de basquete, pugilismo, vela e motor, esgrima e xadrez, além de uma Confederação Brasileira de Desportos que abarcasse tudo o mais (e o diploma elenca, especificamente, entre as modalidades por ela geridas, o futebol, o tênis, o atletismo, o remo, a natação, os saltos [ornamentais], o polo aquático, o voleibol e o handebol).

[10] SARMENTO. Op. cit.

[11] CARDOSO. Op. cit., pp. 29-32. Ver também “Exclusivo: vai mudar tudo no nosso futebol.” Placar, São Paulo, 14 de outubro de 1970, pp. 34-36. “Até que enfim o Campeonato Nacional. Mas tem que melhorar.” Placar, São Paulo, 12 de fevereiro de 1971, pp. 2-3.

[12] SALDANHA, João. “Começou a batalha.” Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 de agosto de 1987, p. 20.

[13] Durante anos a fio, a FIFA pressionou o Brasil pela constituição de uma entidade dedicada a gerir unicamente o futebol, desvinculada dos demais esportes de que se ocupava a CBD. Após eleger-se para a presidência da FIFA, João Havelange fez constar recomendação nesse sentido em seu último relatório de gestão, em 1974. Em 1979, finalmente, o processo foi levado a cabo com a progressiva desfiliação dos esportes olímpicos, que estabeleceram entidades gestoras próprias e especializadas. Com isso a CBD perdeu a razão de ser e extinguiu-se a 24 de setembro de 1979. Em seu lugar, a 23 de novembro, as federações estaduais de futebol coligaram-se na Confederação Brasileira de Futebol, tal como a conhecemos hoje.

[14] CARDOSO. Op. cit, pp. 36-38.

[15] Via de regra, a participação no Campeonato continuava atrelada ao desempenho dos clubes em seus campeonatos estaduais, e de resto no meio da competição incorporavam-se à disputa clubes menores originários de algo parecido com uma segunda divisão, chamada «Taça de Prata» ou «Torneio Paralelo». V. CARDOSO. Op. cit, pp. 36-38.

[16] Pelos argumentos elencados em meu livro, considero que o Campeonato Brasileiro de futebol começou a disputar-se em 1967, quando se expandiu o antigo torneio Roberto Gomes Pedrosa (então disputado apenas por cariocas e paulistas) para incorporar mineiros, gaúchos e um quadro paranense. V. CARDOSO. Op. cit., pp. 19-28.

[17] CARDOSO. Op. cit., pp. 46-47. “É proibida a entrada de freiras.” Placar, São Paulo, 20 de janeiro de 1986, pp. 27-28.

[18] CARDOSO. Op. cit., pp. 55-62.

[19] As resoluções em questão foram publicadas no Diário Oficial da União a 20 de outubro de 1986.

[20] A decisão do TFR foi publicada a 29 de outubro de 1987.

[21] CARDOSO. Op. cit., pp. 80-93.

[22] “STJD nega mandado para interromper a Copa União.” O Globo, Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1987, p. 25.

[23] “Acordo. O Grupo dos 13 vence a CBF.” O Estado de S. Paulo, São Paulo, 23 de setembro de 1987, p. 13. “CBF e o Clube dos Treze selam a paz.” O Globo, Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1987, p. 26.

[24] Conselho Nacional de Desportos. Telex MEC.CND.BSB n° 279/87. Brasília, 17 de dezembro de 1987.

[25] Conselho Nacional de Desportos. Telex MEC.CND.BSB n° 22/88. Brasília, 7 de janeiro de 1988.

[26] Leve-se em conta que vigia um mecanismo de voto qualificado, pelo qual o peso do voto de cada clube era ponderado com base em sua classificação final no campeonato imediatamente precedente, o de 1986.  Os únicos clubes a votar contra a proposta foram Sport, Guarani, Criciúma, Treze de Campina Grande, CSA e Náutico.

[27] A 22 de janeiro, contrariando o arranjo de 13 de dezembro, e aparentemente com a anuência do Guarani, a CBF acabou homologando o título do Sport de campeão do Módulo Amarelo, «diante de sua melhor performance técnica ao longo da competição».

[28] CARDOSO. Op. cit., p. 217.

[29] Justiça Federal. 1ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco. Medida cautelar preparatória de ação principal ordinária declaratória e de obrigação de fazer. Sport Club do Recife vs. União Federal e outros. Genival Matias de Oliveira. 14 de janeiro de 1988.

[30] União Federal. Procuradoria Geral da República. Contestação. 7 de novembro de 1988.

[31] Justiça Federal. Seção Judiciária de Pernambuco. 10ª vara. Élio Wanderley de Siqueira Filho. Sentença. 2 de maio de 1994.

[32] CARDOSO. Op. cit., p. 95.

[33] “Clube dos Treze não participa do Brasileiro.” Folha de S. Paulo, São Paulo, 1º de setembro de 1987, p. A-16.

[34] CARDOSO, Op. cit., pp. 94-95.

[35] Clube de Regatas do Flamengo. Contestação. 15 de julho de 1988.

[36] União Federal. Procuradoria Geral da República. Agravo de Instrumento. 26 de janeiro de 1988. A contestação apresentada pela União a 7 de novembro de 1988 «reporta[-se] aos argumentos apresentados nas razões do agravo de instrumento, […] requerendo que os mesmos sejam tidos como parte integrante» da contestação.

[37] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Novo Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1998 (19ª ed.), p. 311.

[38] Ibid., p. 312.

[39] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. São Paulo, LEUD, 1983 (5ª ed.), p. 147.

[40] CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. Op. cit., p. 321.

[41] Justiça Federal. Seção Judiciária de Pernambuco. 10ª vara. Élio Wanderley de Siqueira Filho. Sentença. 2 de maio de 1994.

[42] “CBF divulga tabela; Clube dos 13 acerta patrocínio.” Folha de S. Paulo, São Paulo, 8 de setembro de 1987, p. A-20.

[43] CARDOSO. Op. cit., p. 95.

[44] Ibid.

[45] O Sport terminou a segunda fase da Copa Brasil de 1986 na penúltima colocação do grupo K e, portanto, figurava entre os clubes desclassificados da disputa da primeira divisão de 1987. Seu rebaixamento dar-se-ia inapelavelmente, fosse pelas regras adotadas originalmente, a 14 de agosto de 1986, fosse por aquelas adotadas a 20 de outubro de 1986, numa «virada de mesa» ocasionada por controvérsia em torno do cômputo de pontos numa partida em que um dos jogadores foi flagrado no exame antidoping. Em julho de 1987, o Sport foi um de vários clubes que obtiveram na Justiça desportiva uma promoção questionável à primeira divisão, com base no argumento de que a CBF desrespeitara o regulamento que ela própria estabelecera, ao implementar a «virada de mesa». Mas o Sport, conforme já se assinalou, teria terminado a competição dentre os rebaixados por qualquer dos critérios aplicáveis ao caso.

[46] RMS nº 34189/GO (2011/0072173-8), autuado em 12 de maio de 2011.

[47] REsp nº 1189485/RJ (2010/0069715-6), autuado em 4 de maio de 2010.

[48] Justiça Federal. Seção Judiciária de Pernambuco. 10ª vara. Élio Wanderley de Siqueira Filho. Sentença. 2 de maio de 1994.

[49] “Campeão de 87 será conhecido no início de 88.” Folha de S. Paulo, São Paulo, 2 de outubro de 1987.

[50] Confederação Brasileira de Futebol. Ofício CBF n° 10265. Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1987.

[51] CARDOSO. Op. cit., pp. 197, 201-202.

[52] Justiça Federal. Seção Judiciária de Pernambuco. 10ª vara. Élio Wanderley de Siqueira Filho. Sentença. 2 de maio de 1994.

[53] V. CARDOSO. Op. cit., pp. 221-228.

[54] Num recurso especial que dista muito de ser brilhante, a Advocacia-Geral da União chegou a argumentar que no caso em pauta o que se deu foi apreciação originária do regulamento, por parte do conselho arbitral, mas o STJ nem sequer conheceu do recurso, por entender que não versava sobre lei federal.

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